sábado, 17 de novembro de 2012
Jorge Serique entrevista a repórter da Rede Globo Cristina Serra
Por Jorge Serique*
Uma das melhores repórteres da Rede Globo, Cristina Serra, é a nossa primeira entrevistada do novo ano de 2012. Carismática, agradável, Cristina é do Pará, da cidade de Belém, e começou a sua carreira em meio a ditadura e na Rede Globo já contabiliza a sua experiência como correspondente em Nova York, enviada especial ao Haiti. Atualmente sua sede é Brasília. Nesta entrevista exclusiva ao colunista ela fala sobre o Plebiscito no Pará, jornalismo e da sua vida na capital do Brasil.
Jorge Serique: Conte-nos como começou a sua carreira jornalística?
Cristina Serra: Meu primeiro trabalho como repórter foi no jornal paraense Resistência, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, em Belém, em 1982. Eu ainda era estudante da UFPa. Foi uma experiência marcante e que me definiu profissionalmente, me fez ver que o jornalismo deve ter como norte a defesa do cidadão. Na época, o Brasil ainda vivia sob ditadura e a o jornal enfrentava enormes dificuldades para ser feito e publicado. Ter convivido e trabalho com aquelas pessoas foi um privilégio. Me ensinou muito sobre jornalismo e democracia. Depois, fui para o Rio de Janeiro, onde terminei a faculdade na Universidade Federal Fluminense e, durante o curso, fiz muitos estágios. Até que, em 1986, quando me formei, entrei para o Jornal do Brasil, por meio de uma prova de seleção. Depois, trabalhei na revista Veja e na Rede Globo, onde estou até hoje.
JS: Nestes últimos anos muito se discutiu sobre a obrigatoriedade ou não do diploma de jornalista para exercer a profissão. Qual a sua opinião sobre este assunto?
CS: Acho que todo jornalista deve ter um diploma universitário, que pode ser de Jornalismo ou de outro curso da área humanística, como, por exemplo, História, Sociologia, Filosofia etc. Sendo que, neste caso, a pessoa deveria ter uma especialização mais curta em Jornalismo para se preparar para as questões éticas da profissão e algumas especificidades técnicas. Acho que a não exigência do diploma criaria um vale tudo na profissão e não vejo que contribuição isso possa dar para a melhoria da qualidade do nosso jornalismo. Já a contribuição de pessoas com uma formação diversificada seria muito enriquecedora e aumentaria ainda mais o pluralismo tão salutar ao jornalismo
JS: Uma de suas melhores reportagens, sem dúvida, foi o JN no Ar sobre o Plebiscito no Pará. Já que você é paraense, qual foi a sensação maior de fazer esta reportagem, mostrando nosso Estado de contrastes? Mesmo depois do resultado do Plebiscito, existe um grupo expressivo de pessoas atuando nas redes sociais em favor do Tapajós e Carajás. Você, na sua visão jornalística, isso pode influenciar em alguma coisa mais evidente?
CS: Eu adorei fazer o JN NO AR sobre o plebiscito no Pará por vários motivos. Tudo que diz respeito ao Pará me interessa e me mobiliza. Foi, digamos, uma viagem sentimental à minha terra, mas também uma experiência incrível mostrar tantos contrastes em tão pouco tempo. É claro que isso só foi possível porque a estrutura do JN NO AR é fantástica e o apoio das TVs afiliadas essencial. Eu acho que o plebiscito teve uma importância muito maior que a votação em si, que foi chamar a atenção do país para os problemas das regiões que querem se emancipar, para a distribuição desigual de recursos e para o custo de criação de novas unidades da federação. Fiquei imensamente feliz de ter contribuído para esse debate, que eu acho que vai continuar nas redes sociais. Acho que elas são um canal importantíssimo de mobilização e discussão e nós não podemos deixar de acompanhá-las.
JS: O que o jornalismo brasileiro tem de bom e o que tem de ruim? E qual um nome jornalístico que você admira e que vem se destacando nos meios de Comunicação em nosso país?
CS: Essa pergunta demanda uma resposta muito ampla, mas vou resumir da seguinte forma: acho que o jornalismo brasileiro é bastante crítico em relação ao poder e suas várias estruturas e essa é uma de nossas melhores características. Por outro lado, acho que somos pouco autocríticos e isso é uma de nossas fragilidades. Acho que precisamos aumentar nosso senso crítico em relação à maneira como exercemos nossa profissão e a nossos erros. Admiro muitos colegas de profissão, mas vou ficar em dois exemplos. Um deles é o Luís Maklouf Carvalho, com quem trabalhei no Resistência e eu diria que foi um dos meus mestres. No telejornalismo, meu colega Caco Barcelos é um craque.
JS: Como você avalia a formação do jovem jornalista atualmente? A Universidade tem cumprido o papel na formação desses jovens?
CS: A avaliação que posso fazer do ensino de jornalismo hoje é limitada e baseada nos estagiários com quem eu convivo na TV Globo. Eles passam por um processo de seleção, então, estou falando de alguns dos melhores alunos. A julgar por eles, acho que tem vindo muito bem preparados, com uma formação geral muito boa, senso crítico aguçado, o que eu considero fundamental para um jornalista. Acho que isso se deve também ao fato de que os jovens, hoje, tem acesso a muita informação, independentemente da Universidade. Tenho a impressão que isso se deve muito mais à evolução tecnológica do que ao ensino em si. Seja como for, tenho a impressão de que os formandos que entram no mercado de trabalho estão bem preparados. Posso dar como exemplo a equipe de jovens repórteres do Profissão Repórter
JS: Quais as suas maiores descobertas como repórter da Rede Globo entre inúmeras e fascinantes reportagens?
CS: Uau ! Outra pergunta difícil. Faço descobertas diariamente como repórter e isso é o mais fascinante no Jornalismo. É por isso que eu amo tanto essa profissão. Todo dia a gente aprende alguma coisa, descobre algo novo, conhece gente interessante. Tive muitas experiências fascinantes, inclusive no tempo em que vivi nos Estados Unidos. Foi um período muito intenso, de convívio com outra cultura, outro clima, outros padrões de comportamento, enfim, matava um leão por dia. Mas posso te dizer que as minhas experiências mais marcantes foram em lugares muito simples, de gente humilde e cheia de sabedoria, especialmente no Norte e no Nordeste do Brasil. Particularmente, minhas coberturas na Amazônia foram grandes lições de vida, não apenas pelas pessoas que encontrei, mas pelo enorme desafio de trabalhar em condições, às vezes, muito adversas. Na Amazônia, aprendemos a trabalhar no ritmo da natureza, temos que ter respeito e humildade para trabalhar de acordo, por exemplo, com o ritmo de cheia e vazante de um rio. O que eu mais gosto de fazer no momento e quero fazer, cada vez mais, é cobrir as transformações pelas quais a Amazônia está passando, nos seus mais diferentes aspectos. Acho que nós, jornalistas brasileiros, temos a obrigação de cobrir a Amazônia melhor que qualquer jornalista estrangeiro.
JS: Inúmeras reportagens nacionais e internacionais, correspondente em Nova York, enviada especial pós – terremoto no Haiti. Há pretensões de lançamento de livros?
CS: Ah, sim! Acalento esse sonho, sim. Mas eu acho que muita estrada, então o livro pode – e deve – esperar.A ideia é fazer um livro com muito making- off, fotos. Quase sempre levo a minha câmera fotográfica nessas viagens e tenho centenas de fotos, não só da equipe trabalhalhando, mas de personagens das matérias. Muitos nem entraram nas matérias por falta de espaço e, quem sabe , poderão ser aproveitados no livro. Nossa, tantas fotos e boas histórias para contar…
JS: Sua sede atualmente é Brasília. Como é lidar e fazer matérias sobre política brasileira?
CS: Aqui em Brasília, o básico do nosso trabalho é o chamado hard news, ou seja, notícia na veia, de última hora, entrada ao vivo, adrenalina pura. Também gosto muito disso e é uma cobertura fundamental, num país que ainda consolida suas instituições democráticas. Trabalhar como repórter aqui é um privilégio porque me sinto testemunha da história a todo momento. Cheguei aqui em Brasília com o FHC recém eleito, no fim de 94. Acompanhei os dois governos dele, as mudanças econômicas, como as privatizações, o fortalecimento do Ministério Público etc. Quando o Lula foi eleito, eu estava em Nova York. Na volta, cheguei no dia do depoimento do Roberto Jefferson ao Congresso, que detonou o escândalo do Mensalão. Nunca vou me esquecer, eu estava no aeroporto do Rio, esperando a conexão pra Brasília e havia uma TV na lanchonete. Fiquei assistindo ao depoimento e pensando “Bem vinda ao Brasil”. Caí matando na cobertura das CPIs, queda do Palocci (a primeira); depois o caos aéreo; reeleição do Lula , campanha e eleição da primeira mulher presidente do Brasil. Sem falar num tipo de cobertura que eu adoro, que são os debates e votações no Supremo Tribunal Federal, de tantos assuntos polêmicos e fundamentais para a sociedade brasileira, como o casamento gay, pesquisas com células tronco, cotas raciais etc. Não é pouca coisa, né? Acho que o essencial na cobertura de todos esses níveis de poder é aguçar o senso crítico e ter sempre em mente uma pergunta muito simples: qual o impacto, a consequência que isso vai ter na vida do cidadão?
JS: Tacacá, maniçoba ou açaí?
CS: Os três, sempre e muito !
*Jorge Serique é advogado e colunista social do jornal O Impacto
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